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sábado, 23 de fevereiro de 2013

O sorvete, o tombo e uma reconciliação.


Formigando meu rosto os raios de sol penetravam minha pele recarregando as energias como uma bateria. Os raios sendo sugados pelos poros, o calor percorrendo meu rosto, se espalhando por todo o corpo me proporcionavam um bem-estar que antes era tão comum.

Aquela tarde, com certeza, foi uma das melhores do mês. O sol acima das nossas cabeças brilhando como nunca, decorava aquela imensidão azul, que naquele dia era de um azul turquesa incrivelmente forte e vivo. Sai da loja com um delicioso sorvete de limão cantarolando "Call me Maybe" e caminhando em direção ao sinal.

- Hey, I just met you, and this crazy. But here's my number, so call me maybe - No ponto alto da música, como não poderia ser diferente, topei em um paralelepípedo que se sobressaltava entre os outros na calçada. É claro que derrubei o delicioso sorvete de limão. E piorando muito  a situação, percebi que os restos do sorvete haviam pousado em uma blusa branca na minha frente que cobria um peitoral dos Deuses. Sem graça, soltei alguns pedidos de desculpa que, com certeza, o rapaz não entendeu. Puxei um dos lenços de dentro da bolsa e comecei a limpar a blusa branca suja de sorvete. Sim, me aproveitei da situação passando as mãos naqueles peitorais.

- Incrível - falei em alto e bom tom enquanto esfregava os peitorais dos Deuses. Meus devaneios foram interrompidos por uma pergunta feita pelo tal rapaz:

- O que é incrível? - Juro, não reconheci aquela voz, o que foi bastante estranho.

- Ah, incrível como... - falei levantando o rosto -...sou desas... - as palavras sumiram da minha mente quando consegui ver quem estava na minha frente. Minhas pernas, instantaneamente, se transformaram em um líquido gelatinoso. Meu mundo caiu, assim como naquela música da Maysa.

-Incrível como você é o quê, Tom?

Meus Deuses! Ele pronunciou meu nome e aquelas palavras ecoaram na minha mente.

-Desastrado, é isso? - Mais uma vez a sua voz me interrompeu dos meus devaneios. Acho que ele deve ter percebido meu estado de choque, pois novamente me fez outra pergunta:

- E aí, Tom, como vai?

Enrubescido respondi com a voz trêmula e mais alta que o normal:

-Aaah, vou bem. - respondi.

-Desastrado como sempre, né? Percebi que o sorvete iria pousar em mim assim que te vi. - Ele falou com aquele sorriso de cem watts.

-Algumas coisas não mudam com o tempo. - Falei, depois de um curto período, acompanhado de dezenas de risinhos mongóis.

Ele pegou minha mão que ainda estava parada naqueles peitorais e apertou forte. Sério. O mundo ao nosso redor sumiu. As pessoas andando apressadas, os  carros com suas buzinas barulhentas, um cachorro que latia ao nosso lado...tudo desapareceu. De repente, seu olhar estava preso no meu e naquele instante pude ver em sua íris toda nossa história passando como em um filme. Ele deve ter tido a mesma sensação, pois me olhava com força.

- Por que você não me deu notícias? - Perguntou segurando firme minha mão e olhando fixamente em minha alma.
Eu não sabia o que responder, então continuei calado e encarando aqueles olhos castanhos.

- Senti sua falta. - Ele falou com uma voz repleta de dor e saudade.

Percebi o significado das palavras que saíram de sua boca e não consegui acreditar. Havia esperado por esse momento todos os dias , cheguei a sonhar e elaborar cenas mentalmente, inclusive. Meu coração pulsava forte, acelerado devido a emoção, meu corpo tremia, o suor tomava conta das minhas mãos, meu estômago se remexia como um liquidificador, os pensamentos estavam emaranhados. Em segundos o eu que conheci desapareceu e só restou confusão. Sem pensar, me atirei nos braços dele. Me joguei com tanta força que senti quando ele jogou o corpo para trás e o apoiou com a perna evitando uma possível queda. Os braços. Os braços que me envolviam todos os dias, a segurança que sentia naquele abraço, o calor do corpo dele envolto ao meu. Meu mundo estava de volta. Sem acreditar, enterrei meu rosto no peitoral dele, meu nariz ficou próximo ao seu pescoço. O aroma de madeira invadiu minhas narinas, aquele cheio era tão familiar. Foram várias as vezes que adormeci embebedado por ele.

- Eu também. Eu também senti sua falta. Muita falta - consegui falar, apesar do bolo na garganta.

Senti seu abraço apertar um pouco mais com a minha declaração. Ficamos ali abraçados por minutos, aproveitando  a companhia um do outro. Quando menos percebi estava chorando, chorando muito mesmo, com direito a muco e secreções. Uma coisa horrível!

-Tom, você está chorando? - perguntou. Deve ter percebido meu desespero, pois logo após segurou em meus ombros fazendo com que desse alguns passos para trás e olhou fixamente em meus olhos. Eu devia estar horrível, pensei. Olhos vermelhos, lágrimas, muco e até secreções? Como sou ridículo, Deuses! O cara que sempre amei estava ali na minha frente e eu só chorava feito um louco. Eta maturidade boa!

-Eu sempre te amei, Tom. Passei boa parte do meu tempo te amando e o resto desse tempo também foi dedicado a você. Você sempre esteve presente em mim, mesmo longe - Ulisses falou baixando vagarosamente a cabeça enquanto uma lágrima percorria seu rosto.

-Sério? - foi a única coisa que saiu da minha boca. Minha escolha de palavras, dadas as circunstâncias, era de um gosto bastante duvidoso.

Depois de um profundo suspiro de satisfação, meu discurso ensaiado na frente do espelho por muito tempo saltou da minha boca:

- Ulisses, quando você se foi, parte de mim trincou - falei tocando seu rosto e erguendo para que pudesse olhar em seus olhos - Pequenas fissuras surgiram e com o passar dos dias se espalharam por todo meu ser. Essas fissuras se tornaram pequenos buracos causando dor e ressentimento. Era difícil conviver com a ideia de não te ter, e mais difícil ainda foi ver isso se concretizar. Meu coração se transformou em um vidro velho, cheio de poeira, embaçado pelas consequências de uma vida de dedicação seguida de decepção. - as palavras saíram lentamente, com uma dificuldade enorme. Cada frase acompanhada de pausas e de mais lágrimas. Antes do fim do meu discurso, Ulisses me puxou para seus braços outra vez, beijou minha testa o que impediu que mais palavras saíssem.

Ulisses, agora, me olhava com o tão famoso sorriso de cem watts, limpava minhas lágrimas com seus dedos e me admirava com aquele ar nervoso de quem quer contar uma coisa e não sabe como fazer isso.
- Tom, tenho uma pergunta... - ele falou com a voz rouca - Você por acaso tem mais desses lenços na sua bolsa?

Nesse momento não esperava esse tipo de pergunta, mas respondi:

- Tenho sim, muitos deles, por sinal - enrugando o rosto em um sorriso enorme, imediatamente abri a bolsa à procura dos tais lenços – Aqui - estendi o lenço na sua direção. Ele pegou e o que veio a seguir me fez ficar imóvel.

-Você está horrível! - Ulisses falou com ênfase nas palavras.

Bom, eu imaginei que estaria assim. Afinal, havia chorado rios de lágrimas. Porém, aquelas palavras me pegaram de surpresa, coisa que ele nem percebeu, pois continuou falando...

-Lágrimas, muco e secreções? Que nojento, seu porquinho! - falou com aquele sorriso de comercial de creme dental, outra vez, me fez perder o chão a meus pés. Meus Deuses!

-Ah, besta, chorei todo o líquido da cidade agorinha - falei tentando empurrar de leve seu ombro. Mas, antes que completasse minha ação, fui surpreendido quando ele segurou minha mão com força.

- Nem pense nisso. - Ulisses falou e notei que sua expressão era de uma seriedade inabalável. Deusa, o que eu tentei fazer? Empurrar ele, no que eu estava pensando...? Pensamentos de pânicos rondavam minha cabeça. Ele continuava me segurando com força.

-Ulisses, desculpa, não tive a intenção de te empurrar... - antes que concluísse o pedido de desculpa, Ulisses me puxou e com sua mão livre agarrou minha cintura. Em um movimento intenso nossos corpos se tocaram. Aquilo me causou um arrepio, tremendamente, forte.

O calor que nossos corpos produziam era enorme. A intensidade em que nos encarávamos também. Os lábios de Ulisses começaram um movimento. O sobe e desce do lábio superior e inferior me distraiu de tudo. Admirar a beleza dele era algo que não me cansava.
Segundos (que pareceram décadas, não que isso seja ruim) depois percebi que Ulisses tentava dizer alguma coisa. Ele falava, mas as palavras que saiam de sua boca por algum motivo estranho pareciam ser soletradas aos meus olhos. Foi quando comecei a juntas as letras...

- E, U, T, E, A... - foi o que consegui entender - OH MINHA DEUSA! - gritei alto, muito alto, quando consegui decifrar as letras formando as palavras.

- O que foi? - ele perguntou assustado e logo mudando para aquele sorriso. - EU TE AMO - ele repetiu.

Todos os sentimentos reprimidos por tanto tempo, queimavam em meu coração como se fossem recentes, o trabalho para trancafiar esses danados não valeram de nada.

Nos beijamos e foi a melhor coisa que aconteceu desde meu nascimento. O beijo foi calmo, doce, revigorante. Repleto de emoções que estavam perdidas, confusas e ao mesmo tempo vivas. Nossos lábios se soltaram com receio, lentamente, tentei colocar todas as  emoções em ordem. Nada de angústia, carência e nem sinal da parte de mim que estava trincada. Tudo havia sumido. Meu mundo estava ali: o hálito de eucalipto, o carinho, a segurança... Tudo! Ulisses novamente a meu lado. Éramos nós outra vez e dessa vez senti que seria para sempre.

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